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“Uma evolução espiritual”

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“Dizem, que não existe lugar específico para encontrarmos DEUS. Ele está em todo lugar. Mas com certeza, viajar para as aldeias mais distantes da África e se deparar com a miséria de lá, faz com que entendamos sua mensagem. SOMOS TODOS IRMÃOS!”

ANDREZZA FRANCO nos ajuda a contar a realidade dos caravaneiros, relatando sua ida a Moçambique, e detalhando os dias de trabalho e emoções, que ela e seu grupo tiveram por lá.

“Saímos do Brasil no dia 12/10/17, por coincidência, a data em que comemoramos em nosso país, o ‘Dia da Criança’, e ao chegarmos em Maputo/Moçambique, já no aeroporto, uma van nos aguardava, na qual partimos direto para a aldeia de MUZUMUIA. Aldeia onde foi instalado o centro modelo de acolhimento da Fraternidade sem Fronteiras. Lá chegando conhecemos nossas instalações, local onde poderíamos dormir, fazer nossas refeições e reuniões, bem como a divisão das doações e atividades pertinentes.

Nosso primeiro contato com as crianças foi a melhor parte. Elas estavam felizes e dispostas, muito receptivas conosco. Cheias de alegria, cantando e dançando. Apesar delas e de todos lá, estarem cheios de esperança com nossa chegada, nossa expectativa era bem maior que a deles. Disso não tenho dúvidas. Aquele momento em que desci da van e me deparei com aquelas crianças, ficará para sempre marcado em meu coração, como um bálsamo recebido de Deus, para aliviar minha ansiedade e agonia daquele instante tão esperado e sonhado.

Nesses momentos de muita descontração, só vimos alegria, ânimo, acolhimento e disposição de todos. Funcionários africanos da Fraternidade; pais de algumas crianças que se fizeram presentes, caravaneiros e as próprias crianças, como uma suave canção, naquele momento, falavam uma só língua e formavam um só povo. A fraternidade falava mais alto.

O povo africano parece que já nasce feliz! É como se as adversidades da vida, as doenças, a fome, a miséria e a carência de tudo entre eles, não existisse por lá. Tudo é motivo de ‘festa’, de dança, de música, de uma alegria contagiante. Não percebi a pobreza como geradora de tristeza, e sim, de força, vontade e esperança de dias melhores. Ficava a refletir.. como conseguiam com tão pouco, sorrir de uma maneira que invadia nossos espaços? Como conciliar tantos sorrisos com miséria e fome? Cheguei à conclusão de que o muito que temos e que, muitas vezes desperdiçamos e não valorizamos, é o que nos impede de rir como eles.

Eles são muito simpáticos e acolhedores também. Gostam de nossa presença junto deles. As crianças então, disputam nossa atenção, nosso carinho, nosso colo, nossas mãos. Isso parece bastar para elas! É incrível! Senti felicidade e paz. Perceber que nossa simples presença naquele lugar, fazia tanta diferença para um povo. Que nossa atenção e carinho, despertavam tantos olhares. Que nosso sonho de estar entre eles, era verdadeiramente compartilhado por inúmeros corações, em mundo onde as pessoas mais se preocupam consigo mesmas. A união entre eles, também é percebida por qualquer olhar mais atento. Vizinhos que se ajudam, que compartilham o pouco que tem. Vi essa união muitas vezes estampada nas atitudes das crianças.

Lembro-me de um fato que me serviu como lição de solidariedade. “Uma menina de uns 10 anos aproximou-se, e logo foi se aninhando em meu colo. Permaneceu comigo durante muito tempo naquela manhã, sentada a brincar com meus óculos e celular, até que em dado momento, ela falou algo em meus ouvidos que não consegui entender. Pedi a uma senhora próxima, traduzir o que desejava. Inicialmente, a mulher não quis dizer o que a criança queria e, por insistência minha, acabou por confessar que a menina estava com fome. Imediatamente, dei à criança uma barra de cereal que continha em minha bolsa. Abri a embalagem e ela provou. Logo depois, fomos caminhar em grupo e a mesma seguiu-me, acompanhando a caravana. De repente, deparei-me com o gesto inesperado. Ela estava dividindo em três partes, a única barra de cereal que possuía, com mais duas crianças que chegaram no local.

Minha reflexão: Pensei que a fome, que é a maior das misérias que vi por lá, a impediria de dividir o que aliviaria seus males naquele momento. Enganei-me e fiquei surpresa com aquele simples, mas grandioso gesto. Essa foi a primeira das inúmeras lições de vida que presenciei na África. SOLIDARIEDADE! 

Dando andamento aos trabalhos, a caravana, já pela tarde, após o almoço, saiu para a uma incursão na aldeia de Muzumuia, com a finalidade de ver e conhecer a realidade local, bem como entender como funciona, e para onde são destinados os recursos, recebidos pela Fraternidade, através das doações dos padrinhos. Andando até as “casas’, onde conhecemos alguns moradores, tendo os caravaneiros a oportunidade de conversar com eles, ouvimos seus anseios e necessidades e ter uma ideia de seus sonhos. Conhecemos de perto a triste realidade dos idosos, em sua grande maioria, senhoras de idade bastante avançada e que ficam sentadas o dia inteiro no chão, sem perspectiva nenhuma de dias melhores.

Adentramos em algumas casas, que mais parecem cabanas, feitas de barro e palha, um único cômodo, sem cozinhas, tampouco banheiros, extremamente quentes e apertadas. Em seus interiores, encontrávamos quase sempre, trapos sujos no chão, ou pendurados em cordas, uma ou duas panelas velhas e mais nada. Nenhuma cama, rede, utensílios domésticos, televisão, som, objetos eletrônicos, brinquedos, nada daquilo que costumamos classificar como indispensáveis para uma vida normal. A cada passo, a descoberta de uma realidade cruel, o que nos preenchia com certa angústia e vontade sempre crescente de ajudar.
A bem da verdade, percebi que muito falta àquele povo sofrido, mas que pouca coisa é suficiente para que vivam com mais dignidade, pois, o pouco é muito ou tudo, para quem não tem nada. Eles precisam, antes de tudo, de comida. As crianças precisam se alimentar, precisam de atendimento médico, precisam estudar, precisam de roupas e sapatos, precisam de nós…

Continuando os trabalhos, nos reunimos após o jantar, todos os caravaneiros, para uma avaliação prévia. Saber nossas impressões daquele primeiro contato, com uma realidade até então, para nós, vista apenas através de fotos, filmes ou reportagens. No dia 15 nos deslocamos até a aldeia Bumela. A alegria, participação e união dos adultos, crianças e jovens, foi a mesma vista em Muzumuia, haja vista essas aldeias contarem com menos moradores. Como sempre, a alegria deles nos contagiou do início ao fim.

Nossa primeira experiência em servir as refeições para as crianças foi em Bumela. As mesmas aguardavam pacientemente a hora do almoço, até porque naquele dia (sábado), elas só iriam receber aquele prato de comida, porque a caravana estava presente. Na minha opinião, a Fraternidade, por meio de seus representantes, com sua dedicação e comprometimento, faz o milagre da multiplicação, com o dinheiro das doações dos padrinhos. Vi com meus próprios olhos, quanta diferença faz para aquelas crianças africanas, em estado de vulnerabilidade e em extrema miséria. Com nossa pequena contribuição, no valor de R$50,00(cinquenta reais) mensais, realmente faz a diferença e elas passam a ter alimentação, acesso aos estudos e atendimento médico, essenciais para uma vida saudável, mas que não existem em seu dia a dia , caso não existissem apadrinhamentos.

Servir aquele almoço as crianças, foi uma das atividades mais prazerosas na minha opinião. A satisfação é imensa quando matamos a fome, principalmente de crianças. Vê-las satisfazer essa necessidade básica e saber que demos nossa parcela de contribuição para que aquele milagre aconteça, realmente não tem preço. É emocionante!
A obediência e organização delas ao aguardar sua vez de receber a refeição, também são impressionantes. Não importa o ‘tamanho’ da fome. Não levantam do lugar onde estão sentadas, não brigam pelo prato de outra que recebeu primeiro, não derramam pelo chão, não sujam suas roupas e quando recebem seu pratinho, dedicam-se avidamente a consumir todo seu conteúdo, como se quisessem se alimentar para os próximos dias em que a comida pode não chegar.

É difícil nos imaginar naquela vida, dentro daquele contexto, experimentando essa realidade. É muita miséria! É surreal! Estamos acostumados com uma vida diferente. Temos recursos naturais, geração de emprego, tecnologia, tantas coisas boas para que possamos edificar nossa vida, dignidade, sonhos, que se torna quase impossível imaginar uma vivência assim. Somos ricos de possibilidades, bastando cada um se esforçar para obter sucesso, contrário deles, que mesmo com todo esforço, não tem o mínimo necessário para começar.

Após esse choque de realidade, passamos a fazer incursão na aldeia de Bumela, a fim de conhecer mais a vida daquela aldeia.

No dia seguinte visitaríamos CHIMBEMBE. Até então, não tínhamos feito nenhuma entrega, pois, nas aldeias anteriormente visitadas (Muzumuia e Bumela), as caravanas pretéritas a nossa, já haviam feito esse trabalho. Foi uma imensa alegria para nós caravaneiros, fazer aquela atividade. Imagine vestir as crianças, com coisas tão lindas como as que levamos e/ou recebemos em doação para levar, por nossos parentes e amigos? São atividades simples, mas todas enriquecedoras de conteúdo espiritual para nossas vidas.

As crianças mais uma vez, nos dão lição de comportamento, organização, paciência, resignação. Simplesmente aguardam sua vez de receber o que lhes cabe, sem questionar porque receberam isso ou aquilo, porque receberam um item inferior ao que outra criança recebeu, porque recebeu uma única coisa, enquanto outra criança recebeu maior quantidade, são desprovidos de ganância, de disputa.

Após o almoço, que nos foi servido no local, conhecemos as instalações de uma escola mantida através das doações recebidas pela Fraternidade e que já é de alvenaria, inclusive, com carteiras para as crianças sentarem, bem como fizemos incursão na aldeia para conhecer a realidade local. As pessoas como sempre, bastante receptivas e amáveis conosco. A cada visita a uma nova aldeia, nos deparávamos com a mesma realidade. Miséria e fome!

Eu imaginava sim ver miséria na minha frente com essa viagem, mas nunca da forma que vi. Uma coisa é vermos através de fotos e filmes. Outra é vermos pessoalmente. Dá uma dor no coração ver que uns tem tanto e outros não tem nada. Quanta disparidade! Eu creio num Deus justo e deve ter uma razão que desconhecemos para tanta diferença. Eu creio!

No início, ao ver tanta miséria, me senti impotente, sem forças, achando que nunca iríamos conseguir mudar essa realidade tão cruel, sem políticas de governo, sem vultosos investimentos, sem controle de natalidade, e ao mesmo tempo, percebi que se cada um fizer um pouquinho, sua parte, as coisas ainda tem no mínimo, a chance de mudar, como já vem mudando naquelas aldeias, desde o começo do trabalho incessante da Fraternidade. Não devemos nos preocupar com o que vai ou não acontecer, devemos nos preocupar em fazer nossa parte.

No dia 16/10/17, deixamos Muzumuia e partimos rumo ao Distrito de Chicualacuala, aldeia Dingue, onde está localizado o outro Centro de Acolhimento da Fraternidade e que fica 8h de viagem de Muzumuia. Dingue faz fronteira com o Zimbabwe e fica numa área mais selvagem que Muzumuia. As aldeias são bem diferentes uma da outra. As instalações em Dingue são bem mais precárias que em Muzumuia, não havendo água encanada e energia própria. Tínhamos um gerador, que funcionava até umas 22h. Deitávamos em colchões no chão, com mosquiteiros que nos protegiam de mosquitos e outros animais. Nossas refeições eram feitas em enormes panelas, cozidas com carvão e se limitavam basicamente a arroz, feijão, frango e salada, mas nada que tirasse a energia maravilhosa daquele lugar.

Logo que chegamos, senti a diferença do lugar. A energia vinda da floresta, das árvores, do clima, era envolvente. Apesar da precariedade encontrada, encontramos enorme alegria e receptividade das pessoas locais, das crianças e jovens. Me senti muito à vontade, como se estivesse em casa. Todos contribuíam para que tudo fluísse a contento. O ato de alimentar quem quer que seja com fome, já é um bálsamo para o espírito, imagine alimentar centenas de seres inocentes e que não conseguem aliviar sua própria subsistência? É algo inenarrável! Imaginei isso inúmeras vezes antes de chegar lá, mas nada é tão forte, tão intenso quanto fazer, e saber que você faz parte daquela corrente de amor, saber que seu esforço para estar lá, em nada se comparava à satisfação do que estávamos fazendo naqueles dias.

Pela tarde, houve mais uma separação de doações, que seriam entregues no dia seguinte em outras aldeias. Após esse trabalho, fizemos incursão na aldeia Dingue, onde conhecemos a realidade local e visitamos 03(três) vovós que moram em situação precária na aldeia. Fomos apresentados às vovós, as suas instalações e modo de vida. Tivemos oportunidade de conversar com todas elas, com a ajuda do tradutor, sendo as mesmas, bastante receptivas conosco. Podíamos perguntar tudo o que viesse em nossos corações e curiosidade, acerca de suas vidas, família, saúde, alimentação e sonhos. Mesmo naquela idade( entre 70 e 80 anos cada uma), sua força espiritual é gigantesca e os sonhos ainda existem.

As casas ou casebres, ou barracos, ou sei lá como denominar, aquelas construções pequenas, quentes, sem absolutamente nada em seu interior, quase caindo por cima delas, são dignas de nossa reflexão. Como ajudar aquelas senhoras a terem o resto de seus dias em um ambiente mais digno. Sonhos de uma casa nova, sonhos de alguém que as alimente a cada dia, sonhos de saúde e paz…
Em nossa última noite na aldeia Dingue, nosso grupo resolveu reunir para decidir em que seria aplicado, as doações em dinheiro que alguns haviam levado. A grande maioria decidiu por aplicar sua doação, na construção de algumas casinhas para as vovós, selecionadas entre todas as aldeias visitadas. As vovós foram escolhidas, segundo critérios de vulnerabilidade, pobreza, abandono da família, e principalmente, na proporção em que tocou em cada coração dos caravaneiros.

De retorno à Muzumuia, participamos de um Culto Ecumênico, realizado entre os caravaneiros, moradores locais e diversos líderes religiosos das aldeias, que levaram a palavra de Deus até nós. Ao final, todos cantaram, dançaram, interagiram de forma alegre e festiva. Foi um momento maravilhoso. Uma energia poderosa que tomou conta de todos por lá.

Logo após, nos reunimos novamente, como no primeiro dia, para uma avaliação final dos trabalhos e da experiência vivida aqueles dias na África. Todos puderam falar acerca dos motivos que os levou até lá, os anseios, expectativas, sonhos e ideias e o que estavam levando para casa, de experiências, vivências e aprendizados. Reunimos tanta coisa boa naquele instante! Mas, como tudo que é bom dura pouco, chegou a hora de dizer adeus, de nos despedir do que para todos, foi uma das melhores experiências da vida. Um misto de saudade de casa e vontade de ficar. Uma saudade que já começava a brotar. Eram crianças que queríamos levar. Era um povo que queríamos ajudar. Como ir embora e deixar aquelas crianças para trás? O coração apertou! As lágrimas teimavam em querer rolar, mas a alegria deles, como sempre, em nossa despedida, não nos deixou chorar. Nos impulsionou a querer voltar.

NOSSA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL NA ÁFRICA ENTÃO CHEGOU AO FIM!

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